domingo, 12 de agosto de 2012

Até nunca mais

Passeando pelas ruas de Jacarta nos dias que antecederam nossa partida, fiquei pensando no que não veria mais ou experimentaria mais, provavelmente nunca mais.

Nunca mais verei pessoas acocoradas no meio de avenidas movimentadas jogando tranquilamente o xadrez de todo dia;

Nunca mais verei miquinhos amestrados, fantasiados com máscaras medonhas, a fazer macaquices tristes, enquanto acorrentados a meninos sujos nos sinais de trânsito em busca de alguns trocados;

Nunca mais verei famílias inteiras espremidas num banco de moto. Adultos de capacete, crianças, sem. Em consequência, nunca mais acharei graça em acrobacias motociclísticas em que a única atração é o número de pessoas equilibradas em cima da moto;

Nunca mais assistirei a badminton na tevê;

Nunca mais cumprimentarei o pizza man;

Nunca mais comprarei batik de seda no Pasar Majestik;

Nunca mais direi 'pagui' de manhã;

Nunca mais verei pessoas vestindo máscaras anti-poluição para sair de casa;

Nunca mais tentarei entender por que os táxis nunca paravam para nos atender no meio da rua;

Nunca mais sentirei o mau-cheiro da durian;

Nunca mais serei parada no meio da rua para tirarem uma foto comigo, ou com João, ou para praticarem inglês;

Nunca mais ficarei horas presa no trânsito porque os motociclistas resolveram se abrigar da chuva embaixo dos túneis, fechando o tráfego.

Nunca mais nadarei na enorme piscina do Pearl Garden. Quando João pedir: 'mamãe, nadá scina', teremos de atravessar a cidade inteira.

Nunca mais terei motorista;

Nunca mais iremos a shows de bandas australianas desconhecidas que só o Túlio conhece no Bengkel;

Nunca mais verei a cara engraçada da Susi todo dia de manhã;

Nunca mais teremos notícias da Lia, a quem João chama toda vez que se cansa da gente ou que cai no chão.

É uma vida inteira para o fundo do baú.

E o nascimento de outra. Tanta coisa para descobrir e milhões de borboletas no estômago.

13 comentários:

  1. É um alívio, mas é triste ao mesmo tempo.

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    1. É verdade, Bete! É muito estranho sepultar uma vida.

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    1. Pois é, Sheila! Eu nem fui lá comprar bugigangas no final das contas...

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  3. Sabe Clara, quando deixamos Cabo Verde mentalmente fiz uma lista assim, as coisas que "Nunca mais", a lista era grande e quando terminei chorei, chorei ... a experiencia me transformou e me marcou muito mais do que eu imaginava, muito mais mesmo. Apesar da minha vontade louca de ir embora, de mudar no final me dei conta de muitas coisas. Ficamos lá dois anos, e aqui estamos a quase isso e Cabo Verde não sai de mim. Não penso em voltar, talvez um dia de férias e muito mais para que o Guilherme se reencontre com o lugar que um dia chamou de casa, mas tudo relacionado com CV me toca. Talvez como você aconteça a mesma coisa, talvez não ...
    bon courage

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    1. Pois é, Neda, é muito esquisita essa nossa vida de retirante. As mudanças são muito bruscas. João sente muita falta da babá, porque ele praticamente convivia só com ela e com a gente. Ele não entendeu por que de repente ela sumiu. Está sendo duro pra ele. Mas, não sei, acho que a minha ligação com Jacarta é bem mais superficial que a sua. Era tudo tão diferente, tão diferente mesmo, que a gente acabou ficando muito à margem do lugar, das pessoas.

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  4. Maria Clara, pode saber que você vai sentir mais saudade do que imagina, de uma vida que não volta sabe? Mesmo que você volte lá, não vai ser igual.. Há coisas que você gostaria de viver novamente, de reviver, mas não é possível. Guardar dentro do baú é muito difícil, não ter com quem compartilhar, saudades daquelas pessoas que a gente cruzava no dia-a-dia mas que nem conhecia tão bem assim (será que é isso o que vc falou sobre o pizzaman). Ai, sepultar uma vida é muito duro mesmo. Ela continua viva dentro de você na verdade. A gente só não sabe muito bem o que fazer com ela depois. Vai aparecer ao longo da sua vida, nos sonhos, nas lembranças do cotidiano, em tantos momentos... Mas é tão bom ir adiante, e esperar para ver onde a vida nos leva. Bons vents, ma chérie!

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    1. Flavinha, eu seinti um pouco de pena de ter vivido pouco a vida local, sabe? Em minha defesa, era realmente uma cidade agressiva com seus habitantes, apesar da gente hospitaleira. O pizza man é uma estátua! Era uma referência para mim. Quando o via, sabia que estava perto de casa. Mas, sim, tinha muita gente que eu conhecia, mas não conhecia, e que também senti pena por não ter conhecido mais. Não sei se vou sentir muitas saudades de lá, mas foi uma experiência marcante.

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  5. Nunca mais é muuuuuuuuuuuuuuito tempo....

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  6. Clarinha! estou com saudades do seu blog... vai ter continuação, né?? beijinhos!

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  7. Maria-Clara!
    Deixei la no blog um convite para participares de um meme:
    http://marianabresil.blogspot.fr/2012/11/meme-dos-onze-parte-2.html

    bjs!!

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  8. e a esse blog, vc volta? se voltar, por favor me avise e eu vou ter prazer em voltar a te seguir...

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