quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Adeus à bisa

Há uma semana, a bisa foi passear em outro lugar. Não voltou mais. A bisa era a avó da mãe. Era vó-mãe. A bisa cuidou da mãe pequenininha, dormiu na mesma cama que a mãe do menino, quando a mãe do menino era do tamanho do menino, até a mãe do menino ficar bem maior que o menino. A bisa não era de brincadeira, tinha cara séria e falava pouquinho. Um dia, quando a mãe morava já longe da bisa, mas ainda era menina, menina grande, ligou para a bisa e perguntou: "A senhora não fala nada?". A bisa respondeu assim: "É que eu quero ouvir sua vozinha, minha filha". A mãe entendeu tudo. A bisa só falava o que importava mesmo.

Ela levava café com leite na cama da mãe do menino naquele tempo em que a mãe era pequenininha e, na hora de dormir, fazia carinho nas costas da mãe até adormece-la, que nem hoje a mãe faz com o menino. E quando a mãe fazia malcriação, aí sim a bisa falava bastante, dizia que ia passar borra de café no nariz da mãe, que ia colocá-la no eixo, com dedo em riste. A mãe morria de medo do eixo, mas nunca que o conheceu de perto. Ou conheceu e nem percebeu que era castigo da bisa. 

Castigo mesmo era quando a bisa chamava a dona Cobertura para botar medo na meninada. A dona Cobertura era muito assustadora. Era uma coberta velha que andava e falava, era uma coberta assombrada a dona Cobertura. Mas quando era dia de comemorar qualquer coisa, a bisa fazia pé-de- moleque e bolinho de chuva e peta. Para as viradas de ano, enquanto os adultos iam para festas de adultos, a bisa festejava com a criançada e fazia puxe, aquele caramelo bom que dá quando o açúcar esquenta muito na panela. A mãe gostava demais do puxe em cima da pipoca. A pipoca virava pipoca de doce.

O menino conheceu a bisa quando a mãe já era grande e não tinha mais peta, pé-de-moleque, puxe. A bisa estava cansada. Quando encontrava a bisa, o menino sentava no colo dela, pulava em cima da bisa, que mandava o menino ficar mansinho. Mas quando o menino ficava mansinho, logo queria sair do colo da bisa. A bisa queria que ele esquentasse o colo dela, mas o menino é espoleta, não esquenta banco nem feito de bisa. A bisa então brincava de contar com o menino. Ela achava graça quando ele dizia: "Deeeez", depois de ela dizer: "Nove?", como que perguntasse o que viria depois. 

O menino despediu-se da bisa em setembro, quando passou férias na terra que fora do puxe e do pé-de- moleque. A bisa segurou o espoleta no colo, mas não deu tempo de esquentar.

O primo Thiago, o menino espoleta e a bisa em setembro de 2011.

Os três de novo. 

7 comentários:

  1. Meu bem! Que lindo... Vc poderia virar escritora de livros infantis, ja pensou?! O talento vc tem! Beijos!

    ResponderExcluir
  2. Abraços, carinhos e nossos sentimentos para a mãe do menino

    ResponderExcluir
  3. Meus sentimentos.
    Você conseguir expressar essa perda de uma forma tão bonita e leve. Beijo no coração de vocês

    ResponderExcluir
  4. Um abraço forte para você clarinha!

    ResponderExcluir
  5. Lembrei da minha vozinha :) Que bonito!
    E eu concordo com o Mamoru!
    Bjo

    ResponderExcluir
  6. Gente, obrigada pelos elogios, pelos sentimentos. Aceito todos com o coração já um pouco mais leve. Beijos

    ResponderExcluir
  7. Volto prá ver vcs e sinto muito.

    Sua homenagem em texto foi sensacional, afinal, essa bisa merece.


    Beijo prá vcs

    Dani e Léo

    ResponderExcluir

Comente aqui!