segunda-feira, 2 de abril de 2012

Blogagem Coletiva Mães Internacionais - Bilinguismo


"Cadê you, moon? Where? Where? There, Lua!" (menino João)

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"...uma criança bilingue é exposta, desde os primeiros meses de vida e ao longo de todo ou grande parte do seu período de aquisição e desenvolvimento linguístico, a duas línguas, que adquire como línguas maternas", explica a linguista Maria Cristina Vieira da Silva, no texto A aquisição de uma língua segunda: muitas perguntas e algumas respostas.

João, desde os cinco meses, tem uma babá, Lia, que fala com ele em inglês. A partir de um ano e dois meses, ele passou a frequentar a escola e lá ouve e fala em inglês. Em casa, falamos sobretudo em português, mas, em alguns momentos, recorremos ao inglês ao percebermos que ele já conhece alguma palavra ou conceito no idioma anglo-saxão. Quando saímos de casa, falamos em inglês com a maioria das pessoas.

De acordo com a definição da linguista Maria Cristina sobre o bilinguismo, caso João continue a ser exposto a duas línguas - não apenas no contexto escolar, formal, mas em todo o seu cotidiano - será bilingue. Ser bilingue é poder se comunicar em duas línguas, ou mais línguas, como falante nativo. É poder falar sem sotaque estrangeiro uma língua, entender seus conceitos sem recorrer a uma tradução mental, a uma explicação formal que interprete seu funcionamento. É saber que em português se diz 'o homem' e não 'a homem' simplesmente por saber. Ou que seria muito estranho alguém sair falando algo como 'cachorro o homem mordeu o ontem', sem nunca ter estudado conceitos como sujeito e predicado.

Muitos linguistas acreditam que exista um prazo de tempo máximo para que a pessoa consiga aprender uma língua como nativa. É o tal do período crítico. Esse prazo acabaria por volta da puberdade. Quer dizer que, até mais ou menos, 12, 13 anos a pessoa guardaria a capacidade de adquirir uma ou várias línguas com a mesma competência, desde que fosse estimulada para isso e usasse essas línguas para falar, ler, conversar, escrever em diversos ambientes. Depois desse período, não seria mais possível falar outra língua (além da materna, aprendida em casa) como se fosse um nativo.

Claro, há controvérsias e muitos pesquisadores criticam essa ideia e dizem inclusive que a competência de um falante adolescente ou adulto no período inicial de aquisição de uma língua é maior que o de uma criança. Obviamente, crianças não têm o pensamento cognitivo tão avançado quanto o de adultos ou adolescentes e não conseguem traduzir um texto ou entender, por exemplo, uma construção gramatical mais elaborada, apesar de usá-las no dia a dia. Porém, passado o período inicial de aprendizado, pesquisas mostram que as pessoas cuja aquisição da língua começou na infância têm mais vantagens.

Não se pôde comprovar neurologicamente as diferenças na capacidade de aprendizado de crianças em oposição a adultos ou adolescentes. Mas, qualquer um sabe, por observação empírica, que, se alguém começar a aprender mais de uma língua desde pequeno até a idade adulta, conseguirá falar melhor, com menos dificuldades do que outra que começar mais tarde. Há aspectos da língua que só os nativos conseguem dominar. E para falar como nativo, só mesmo aprendendo desde cedo.

Por exemplo, a atribuição de gêneros às coisas. Como saber, em português por exemplo, se algo assexuado é feminino ou masculino? Cadeira, mesa, alface, sapato? Não existe uma explicação que dê conta disso. Há regras, mas muitas exceções e talvez apenas a capacidade intrínseca de decifrar uma língua - que cada um guardaria até a puberdade - possa enfiar isso na cabeça. Assim, é muito comum uma pessoa que se dedicou muito tempo a uma língua estrangeira, digamos a portuguesa, falar com a maior competência, saber conjugar todos os verbos (melhor que um nativo), entender as construções gramaticais mais complexas, mas acabar dizendo 'a café'. Porque, afinal, café não termina com vogal a ou com a vogal o e fica complicado saber. Um falante nativo jamais cometeria erro semelhante. O falante nativo tem a vantagem de poder compreender toda a gramática por trás de sua língua materna, caso a estude bastante. Já o falante não-nativo nunca saberia com certeza algo que não pudesse ser formalmente explicado a ele. Nesse caso, o uso prolongado da língua poderia apenas ajudá-lo, mas não resolveria o problema por completo.

De outro lado, muitos pais cujos filhos são expostos igualmente a mais de uma língua, se preocupam achando que a criança demorará a aprender a falar, ou confundirá tudo e misturará todas as línguas. Sei que há mais de um tipo de bilinguismo. Um linguista chamado Weinreich distinguiu, em 1953, dois tipos: composto e coordenado. De acordo com Maria Cristina, "no caso do bilinguismo coordenado, o falante associa dois conceitos distintos a dois itens lexicais distintos (house e casa, por exemplo), sendo-lhe difícil traduzir de uma para outra língua, dado que estas duas são percebidas como realidades distintas na sua mente. Já no bilinguismo composto, um mesmo conceito encontra-se associado a cada uma das duas palavras: as duas línguas encontram-se assim ligadas, na mente do falante, através de um conceito comum. Ainda que inicialmente se tenha pensado que um falante bilingue teria ou um bilinguismo composto ou bilinguismo coordenado, hoje em dia pensa-se (de Groot (1993)) que os dois tipos de bilinguismo se encontram presentes, em graus variáveis, num mesmo falante".

Percebemos nas experiências iniciais de fala do menino que há ocasiões em que ele sabe que mais de uma palavra está associada ao mesmo conceito de um objeto. Ele olha os carros na ruas e diz: "car, carro". Em muitas ocasiões, ele também sabe que deve falar em inglês com a babá e em português comigo e com o pai. Ele mostra o bicho de borracha e diz: "pato" quando está conosco, ao passo que o define como "duck" a Lia. Outras vezes, ele simplesmente mistura tudo mesmo. Acho incrível e fascinante, mas não tenho nenhum medo de que ele continue a misturar as línguas no futuro ou que demore para aprender. Afinal, é bem improvável que aos vinte ele vá dizer à namorada (ou namorado):"Cadê, you, moon?" Mas, se disser, será muito cute.

Mais: leia o que outras mães internacionais têm a dizer sobre bilinguismo.

7 comentários:

  1. Clarinha,
    O caminho do João é bem parecido com o da Bê. E ele desde cedo esta sendo exposto ao segundo idioma por causa da baba.
    Eu adorei a abordagem sobre o bilinguismo, pois este tema é super importante para nos, maes, que moramos no exterior.
    Eu vou colar aqui o comentario que fiz la no Journal:

    "Clarinha, eu estou curiosa para ver o João falando pelos cotovelos em dois, três idiomas! Vc tocou num ponto bem importante, o de aprender outra lingua até a puberdade e falar como nativo. Sim, isso é verdade e é absolutamente possivel. A diferença é que com as crianças pequenas não ha o pudor, o receio de errar, elas simplesmente falam, imitam e abosorvem com maior facilidade e naturalidade. E eu acho que esse é o ponto que me encanta tanto, pois vejo a cada dia que passa uma menininha interessada em falar outro idioma, sem niguém cobrar por isso ou que era ira ser avaliada. Eh a curiosidade natural agindo com uma força que realmente vem de dentro dela.
    Você vai ver isso com o João! Eh fantastico. "
    E é essa força natural, sel barreira, sem fronteiras que, com certeza, vc ja deve ter percebido no João!
    Beijos e otima semana pra voces ; )

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  2. Pois é Maria Clara, com tanta teoria e tantas pesquisas a gente sempre corre atràs para o q è melhor para nossos filhos ,né! Mas no fim das contas sao eles mesmos a escolherem como continuar o caminho que estamos proporcionando à eles.
    Através do contato com os de fora ele logo estarà tinindo na segunda lingua. E com vc ele irà aprender a lingua materna através da imitaçao inicialmente para depois a compreensao.
    Tem sido assim com meu filho, mas cada criança com seu tempo, meu menino demorou um bocado para iniciar a falar e agora tem deslanchado de vez, para a alegria da mamae, rs. E a gente baba, né?!
    Bjs! Adorei o texto!
    Daphne

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  3. Oi Maria Clara,
    Adorei seu texto. Pessoalmente eu me senti incomodada com o bilinguismo no início. Beatriz não falava, eu fiquei ansiosa, me culpei e não me achava. Então eu procurei ajuda para entender um pouco mais, já que minhas leituras não aquietavam meu coração. E foi ótimo. Estou me encontrando com um fonoaudiólogo sueco que fala português e inglês. Estou mais tranquila. Coincidência ou não, Beatriz nos surpreendeu com palavrinhas novas. Compreende meus comandos e tem falado português e sueco. Essa paz no coração era tudo que eu queria para continuar o caminho!

    beijão

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  4. Clara, quando trabalhei na França, tive uma colega que era brasileira, casada com um alemão e eles moravam em Paris. Os filhos deles falavam em português com a mãe, em alemão com o pai e em francês com o resto do mundo. Tudo absolutamente natural e eles tinham fluência nas três línguas. Acho isso fascinante! A única dificuldade é a escrita, afinal é quase impossível escrever corretamente em todos esses idiomas...

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  5. Heleninha, isso acontece muito! E sobre escrever bem, eu já reparei que isso é uma fixação do brasileiro. O resto do mundo vai lá e se comunica enquanto a gente fica conferindo as vírgulas. Eu, particularmente, acho que devemos escrever bem, hehe, mas não devemos ser escravos da gramática. Bem, vê-se bem, pelos meus erros, que eu não sou! Beijos.

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  6. Adorei o texto e a sua abordagem também. Acho que foi a única a escrever com tantas referências e citações, muito bacana!! Muito bom este negócio de blogagem coletiva pra conhecer blogs bacanas. Estou te seguindo!

    Beijo,
    Karen
    http://multiplicado-por-dois.blogspot.de/

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  7. Amei, amei, amei seu post, Clarinha! Valeu a pena esperar. Muito bom, muito bem escrito e o final está demais!
    Beijos

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